Frater Optimus e os Sinais Satânicos

Frater Optimus e os Sinais Satânicos

Era só o que me faltava. Como alguns de vocês estão sabendo, eu acabei de fazer uma cirurgia de catarata. Não estava enxergando direito. Agora estou. E as coisas vi logo depois da cirurgia me deixam em dúvida: será que valeu a pena? O pós-operatório foi chato, e não tenho certeza de que tem tanta coisa assim por aí que valha a pena ver hoje em dia.

Se eu fosse mais jovem mandava tudo para o inferno e ia para casa dirigindo. Hoje em dia não tenho mais toda essa disposição. Fiquei de tapa-olho no hospital (operei um olho só), esperando alta. Uma enfermeira entrou no quarto, deixou uma gelatina aguada e ligou a televisão. Saiu antes que eu conseguisse reclamar.

Eu não gosto de televisão, mas pensei que fosse boa vontade da enfermeira. Eu deixo a televisão desligada porque não gosto, não por não saber ligar. Mas ela ligou mesmo assim. E foi embora. E enquanto eu tentava entender como baixar aquela maca moderna, motorizada, e fazia um contorcionismo para pegar o controle remoto na mesinha de cabeceira e desligar a televisão, ela capturou minha atenção.

Estava passando um programa desses idiotas, com um pastor evangélico falando um monte de impropérios e imbecilidades. Em especial, ele estava falando dos artistas que fazem o sinal do olho que tudo vê, e como isso é satânico. Como isso é coisa do capeta.

Eu não sei se vocês vão acreditar em mim, porque é muito absurdo. Mas é sério. O pastor ia mostrando imagens de vários desses cantores novos, com os olhos cobertos ou destacados, e dizia que era tudo coisa do demônio. Repare que o dito pastor nem tinha desenvoltura nem a decência para falar sobre conspirações, Illuminati, o Olho de Hórus, nada disso. Tudo é coisa do capeta. Tudo é satânico.

O Olho Que Tudo Vê

A minha dúvida imediata foi: por que será que o pastor não se deu ao trabalho de falar de uma conspiração complexa, como se fazia antigamente? Histórias de conspiração podem ser falsas (e normalmente são), mas dão algo em que pensar. As teorias de conspiração bem elaboradas deixam a pulga atrás da orelha. Mas para isso é preciso pensar. E está claro para mim que os fiéis do tal pastor são pessoas burras. Porque só sendo burro para engolir aquele papo furado.

Eu continuei assistindo o pastor. Estava lá eu, de tapa-olho, vendo um programa sobre o olho que tudo vê. Podia ser interessante.

Eu passaria pelo menos mais um dia inteiro no hospital, precisava me entreter para não ficar maluco. Fiquei hipnotizado com aquele show de estupidez. Ele continuou falando todo tipo de bosta. Falou de outros sinais satânicos: triângulos, pentagramas, hexagramas, círculos. Praticamente todas as formas geométricas. Falou de cobras, serpentes, águias, dragões, corujas, borboletas. Metade dos animais, segundo o pastor, são satânicos. Falou de cantores, mas falou também de filmes, desenhos animados, e até do Papa (e olha que não era o Ratzinger). Para nosso pastor gênio, tudo – absolutamente tudo – é coisa do capeta.

Cansei. Desliguei a televisão. Comecei achando engraçado, mas no final estava achando tudo profundamente triste, e até preocupante. Por isso me pergunto se valeu a pena voltar a enxergar bem: algumas coisas ficaram claras para mim, e não sei se passar a enxergá-las foi um bom negócio.

Primeira coisa: as pessoas estão ficando cada vez mais burras. Na minha época, para manipular as massas, era preciso um pouco mais de elaboração. Hoje em dia qualquer discurso raso com uma dose de fanatismo está servindo.

Segunda coisa: esses neopentecostais estão espalhando ódio e intolerância de uma forma nem um pouco saudável. O cristianismo sempre foi meio assim, mas eu achava que as coisas estavam melhorando. Não estão. Nada de fora da igreja deles presta. Nem mesmo a igreja vizinha presta. É tudo coisa do capeta. Complicado.

Terceira coisa: pessoas burras seguindo doutrinas simplistas de ódio e intolerância, sob a tutela de líderes religiosos (e políticos também!) sem nenhuma ética… Isso é um barril de pólvora esperando para explodir.

Por último, mas não menos importante: esses músicos de hoje em dia são muito ruins.

Os músicos podem ser ruins. Os desenhos animados podem ser ruins. Mas não são satânicos. Pelo menos a maiora deles, e não de propósito. Uma ou outra dessas bandas de rock pauleira podem até ser satânicas. Não muito tempo atrás, tinha aquele rapaz, o Raul, que podia ser chamado de satânico, mas pelo menos cantava bem. Mas ele morreu faz pouco tempo. Os Rolling Stones também, talvez fossem satânicos. Se fizeram algum pacto com o Diabo, parece ter funcionado – continuam ricos e saudáveis. Mas coitadas dessas mocinhas que fazem coreografia e cantam mal… Elas não têm nada a ver com isso. Só querem ganhar dinheiro.

Eu não acho, de verdade, que nem dez por cento do que o pastor chamou de satânico tem qualquer significado oculto. Ainda mais satânico, que é uma especialização do oculto.

Mas veja por outro lado: esse pastor não está sozinho. Existem, sem dúvida, inúmeros outros iguaizinhos a ele, que eu só não tive o infortúnio de ver, nem com o olho bom nem com o ruim. E eles se dizem os porta-vozes da Palavra do Senhor na Terra. E essa Palavra parece ser uma mensagem de ódio, intolerância, restrição e temor.

Considerando que Satanás, ou Shaitan, é o Opositor – que se contrapõe a Deus, e à Sua Palavra – talvez ele tenha razão. Todos esses músicos ruins, e filmes, e desenhos animados sem graça, passam uma mensagem exatamente oposta à dos pastores e do seu Deus. Uma mensagem de amor, tolerância, liberdade e coragem. Olhando por esse ângulo, eles podem de fato ser… satânicos. No sentido de que são um contraponto à mensagem equivocada de Deus. Podem realmente ser coisa do capeta. Embora não seja um piscar de olho, um gesto esquisito com as mãos ou um triângulo na roupa que comprovem isso, e sim as palavras, ações e mensagens. Que não são veladas, e sim bastante explícitas.

Eu nunca pensei que fosse defender essa cultura de massa que existe por aí hoje em dia. Mas se, para as massas, a opção, o contraponto a essa cultura popular, forem a “moral e bons costumes” propagados pelo cristianismo idiotizado de hoje, fica a dúvida: quem vale mais a pena seguir? “Deus” ou “o capeta”?

Chega a ser irônico, mas acho que o satanismo está ficando cada vez mais bonzinho, e o cristianismo cada vez mais diabólico.

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