O Caos de Zaratustra que inspirou Peter Carroll

Friedrich Nietzsche é a base de muitas correntes filosóficas. Inspirou Sigmung Freud, Gilles Deleuze e tantos outros pensadores. Até mesmo Aleister Crowley era fissurado com os conceitos nietzschianos, tendo se apropriado de muitos deles para Thelema.

Nietzsche pode ser considerado um dos nossos profetas…

— Magick Without Tears, cap. 48

De fato, Crowley resolveu seguir os passos de Elisabeth Förster-Nietzsche e procurou sacralizar o filósofo como um místico gnóstico, uma espécie de avatar de Thoth, o Deus egípcio da sabedoria. Mas isto não nos interessa a priori, já que nosso foco hoje é em Magia do Caos.

O Caos de Zaratustra

É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante.

— Friedrich Nietzsche em Assim Falou Zaratustra.

Zaratustra, neste caso o personagem de Nietzsche baseado no profeta histórico, fala com todos e para ninguém. Ele é um mestre da linguagem e sai para dialogar com todos sobre filosofia. Seu jogo de palavras é muitas vezes sarcástico e contraditório. Posa como um místico, porém seus diálogos cosmológicos não são subjugados pela metafísica.

É justamente no Caos de Zaratustra que Carroll se aproxima de Nietzsche, ambos se pautados na mitologia greco-romana. Para Caroll, Caos pode ser considerado a força primordial, enquanto para Nietzsche ele tem a ver com a Vontade de Potência. Em ambos os casos, Caos é expansão e criação.

A Vontade de Potência

O conceito de Vontade em Nietzsche nada tem nada a ver com uma vontade qualquer da qual o mundo teria se originado, mas sim com a expansão da vida. E aqui, assim como Caroll, Nietzsche inclui tudo: desde a matéria inanimada quanto a orgânica e a consciência.

Tanto Caroll quanto Nietzsche são amorais, isto é, não se preocupam em estabelecer leis ou diretrizes como verdades. É aqui que Nietzsche e Caroll se afastam de Thelema, pois ambos estão muito mais preocupados em desconstruir a moralidade e criar princípios éticos do que estabelecer algum tipo de lei.

Tanto Nietzsche quanto Caroll compreendem que a religião, de modo geral, é um projeto para camuflar o sofrimento, domesticar a humanidade. Este projeto é contrário à Vontade de Potência, pois ele é voltado para a degeneração da vida e não sua expansão.

A crença como instrumento

Carroll se afasta de Nietzsche em dois pontos. Primeiro: ele não se preocupa em apenas como quebrar os paradigmas, expor suas contradições e limitações, mas sim em apontar qual é o benefício em usar cada um deles como fonte de Potência, porém sem necessariamente se apegar a ele.

Isso fica bem visível quando Caroll se debruça sobre o zeitgeist de cada Aeon, expondo as mais diversas crenças e suas utilidades. Assim como Nietzsche, Caroll gargalha para as verdades absolutas. Mas ao contrário de Nietzsche, ele não as rejeita enquanto instrumento.

O segundo ponto em que divergem é a questão do dualismo. Principalmente em Liber Null e Psiconauta, Caroll apresenta o dualismo para sistematizar seu pensamento. Nietzsche abomina qualquer tipo de dualismo, dando preferência a uma visão holística sobre a vida e a morte.

A quebra da autoridade

Tanto Nietzsche quanto Caroll desprezam a autoridade no sentido que esta degenera a vida, impedindo a Vontade de Potência de agir. Assim Falava Zaratustra, portanto, também quebra paradigmas:

A obra é um elogio à solidão, ao livre pensamento, à comunhão com o superior, à união com um deus que não seja o Deus tradicional da religião, mas o próprio homem, sublimado pelo bem, pela razão, por sua própria essência que lhe permite o eterno retorno e atinge sua perfeição na convivência com a natureza, perfeição que o leva a criar continuamente, a viver de modo intenso e transparente da vida, a superar-se a si mesmo e a projetar-se para o alto e o além. Para além de suas amarras com o egoísmo e com todos os valores estabelecidos pelos governantes, para além da convivência com a massa informe do povo, para além de seus augustos limites.

—  Ciro Mioranza

Caroll e Nietzsche são livres pensadores, avessos a qualquer tipo de absolutismo filosófico. São gozadores, contraditórios, atemporais, ainda que permaneçam, sob muitos aspectos, reflexo de suas respectivas experiências contemporâneas.

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