Política, hacktivismo e Magia do Caos pelo olhar de Hakim Bey

Pratos envenenados, rios mortos, políticos sambando no rosto de cada um de nós. Nada de novo sobre a terra brasilis. Aqui o Caos impera, porém não da forma que imaginamos, não como queremos. Há balbúrdia, há mesquinharia, mas pouco espaço para criar, muitos muros para pintar e cadeias cheias de presos por delitos pequenos.

Anestesiados pelo constante bombardeio de escândalos políticos, o brasileiro médio cansou de se mover para lutar pelo futuro do seu país. Mesmo que a história se repita e recaia sobre nós uma nova ditadura com nomes mais apropriados para nosso século, mesmo que o um presidente ilegítimo entregue em rede nacional dinheiro para Silvio Santos, num gesto simbólico ultrajante de propaganda governamental, mesmo que uma futura Ministra do trabalho apareça em cenas jocosas numa lancha.

Já não se importam se os favores de políticos se excedam em muito, desproporcionalmente aos rígidos cortes dos direitos dos brasileiros. Nada disso, nem mesmo o fato de que o Brasil permite o consumo de 14 agrotóxicos proibidos no restante do mundo, ou que a Anvisa tenha acabado de liberar o uso de Benzoato de Emamectina, algo que pode gerar problemas neurológicos aos consumidores.

Diante deste cenário catastrófico, o Magista do Caos se acha no direito de se colocar acima dos dados, apegando-se à esperança de que tudo é uma ilusão. Ele abraça a apatia em nome de uma superioridade fingida, algo que cairia por terra no segundo em que experimentasse fome, frio ou desamparo político. É dito que o verdadeiro magista do Caos é apolítico, não se apega a nenhuma ideologia. Mas será?

 Hakim Bey, o caoísta ativista

Hakim Bey é o pseudônimo de Peter Lamborn Wilson, escritor estadunidense que ficou conhecido no Brasil pelo conceito de Zona Autônoma Temporária, ou T.A.Z. Bey é especialmente famoso entre os hacktivistas, por sua literatura crítica considerada como pós-esquerda e anarquista. Vem também dele a ideia de terrorismo poético, termo que pode assustar os desavisados, mas que não tem nava a ver com violência.

O livro CAOS – Terrorismo Poético e Outros Crimes Exemplares, Bey deixa bem evidente sua postura política:

O caos é anterior a todos os princípios de ordem e entropia, não é nem um deus nem uma larva, seu desejos primais englobam e definem todas coreografia possível, todos éteres e flogísticos sem sentido algum: suas máscaras, como nuvens, são cristalizações da sua própria ausência de rosto. Tudo na natureza, inclusive a consciência, é perfeitamente real: não há absolutamente nada com o que se preocupar. As correntes da Lei não foram apenas quebradas, elas nunca existiram. Demônios nunca vigiaram as estrales, o Império nunca começou, Eros nunca deixou a barba crescer.

Hakim Bey

Ainda que seja extremamente poético e metafórico, Bey de fato quer plantar uma semente ativista no coração de seus leitores. Para que eles olhem acima do bem e do mal, da ordem e da desordem e que possam criar espaços (T.A.Z.) em que os tentáculos da Lei não alcançam.

Terrorismo Poético

Avatares do caos agem com espiões, sabotadores, criminosos do amor louco, nem generosos nem egoístas, acessíveis como crianças, semelhantes a bárbaros, perseguidos por obsessões, desempregados, sexualmente perturbados, anjos terríveis, espelhos para a contemplação, olhos que lembram flores, piratas de todos os signos e sentidos.
Aqui estamos, engatinhando pelas frestas entres as paredes da Igreja, do Estado, da Escola e da Empresa, todos os monolitos paranóicos. Arrancados da tribo pela nostalgia
selvagem, escavamos em busca de mundos perdidos, bombas imaginárias.

Hakim Bey

Um exemplo de terrorismo poético (TP) seria sequestrar alguém e fazer essa pessoa feliz por um dia, alegrar o cinza das cidades plantando hortas comunitárias e fazendo grafites, mesmo que isso seja considerado ilegal, mesmo que um prefeito como Dória tenha deixado muito claro sua postura em relação aos artistas.

Fazer peças ao ar livre, despertar intensas emoções nas pessoas, num local sem cobrança de ingresso ou sem delimitações de fileiras: é nisto que consiste o TP. O conceito de Hakim Bey é coletivo, caótico, poético, mas também toca nas feridas da sociedade. O caoísta deveria praticar o Amor Louco, sem fronteiras, sem rótulos.

O amor louco pede uma sexualidade incomum. O mundo anglo-saxão pós-protestante canaliza toda sua sensualidade reprimida para a publicidade e divide-se entre multidões conflitantes: caretas histéricos versus clones promíscuos e ex-solteiros.

Hacktivismo

Outra forma de ativismo caótico é o hacktivismo. Piratas do mundo inteiro se reúnem em zonas temporárias online para usarem tecnomagia e ativismo. Invasão de sites do governo, criação de conteúdos virais, memes com deuses antigos, fóruns proibidos para o leitor comum: tudo isso faz parte do universo pirata. A Internet, quando bem utilizada, propõe uma gama infinita de possibilidades para seu usuário.

Dentre elas, considerados a transparência das informações a mais bem apreciada. O pirata tem acesso a conversas, documentos e informações sigilosas que, na verdade, deveriam ser de domínio público, ao menos até certa instância. E assim, o pirata divide o ouro do nosso século, a própria informação preciosa.

No Brasil, o hacktivismo deveria ser praticado com maior eficácia. É preciso construir uma base de informações confiáveis para expor os corruptos e todos aqueles que de alguma forma desejam pior ainda mais a complicada vida do brasileiro.

O caoísta de Bey também pratica a Arte-Sabotagem. Algo que ficou bem popular entre certas bandas caóticas, o ato de queimar dinheiro, por exemplo. E assim segue, ativista, louco, gargalhando pelas ruas, inconsolavelmente. O caoísta pode ser de fato o que ele quiser, mas ao ler Bey, fica evidente o que ele não pode ser: apático, indiferente, mediano.