A Sombra, os Obsessores e o Fantasma da Ópera

A sombra

O termo sombra foi desenvolvido pelo psiquiatra Carl Gustav Jung. A sombra é considerada parte do nosso ego mais sombrio, é a soma de todos os desejos e comportamentos que reprimimos porque eles não são permitidos socialmente. Em parte por conta das leis e punições, em parte por conta da moralidade muitas vezes sufocante do ambiente.

[A sombra é] tudo aquilo que foi reprimido durante o desenvolvimento da personalidade, por não se adequar ao ideal de ego. Se você teve uma educação cristã, com o ideal do ego de ser benevolente, moralmente reto, gentil e generoso, então certamente você precisou reprimir todas as suas qualidades que fossem a antítese desse ideal: raiva, egoísmo, loucas fantasias sexuais e assim por diante. Todas essas qualidades que você seccionou formariam a personalidade secundária chamada “sombra”.

Edward C. Whitmont

Grande parte da obra do magista é justamente aprender a conhecer e lidar com os aspectos sombrios de si mesmo. Há uma série de exercícios que o magista pode fazer, desde visualização, meditação e até mesmo terapia. É importante ressaltar que a sombra não é apenas ruim ou negativa. Existem pessoas que reprimem qualidades importantes.

Por exemplo, um homem que é bom dançarino, pode reprimir seu talento numa sociedade muito machista. Seus pais podem rejeitá-lo ao saber que ele quer entrar para uma companhia de balé, ou participar de algo que não é considerado masculino o suficiente. Homens que quiserem seguir carreira no ramo da beleza podem se deparar com dificuldades interiores no começo.

Ao simplesmente ignorar seus talentos, a Verdadeira Vontade fica adormecida e o magista nunca consegue atingir suas verdadeiras vontades. Portanto, faz parte para o crescimento mágico buscar inspiração e quebrar barreiras sociais e até mesmo mentais. Noutras palavras, se sua Verdadeira Vontade consiste em dançar, então você precisa buscar meios para fazer o que deseja.

Os obsessores

É na sombra, entretanto, que residem muitas de nossas obsessões. Reconhecer isso é lidar com grande parte do problema e aliviar a carga mental. Porém, algumas pessoas se confundem e, ao invés experimentar a sombra de maneira sadia e intuitiva, acabam por criar um verdadeiro monstro. Estão nessa categoria pessoas que percebem seus impulsos assassinos e não fazem nada para combatê-los.

Aqueles que cometem sacrifício humano e diversas atrocidades sem o menor respeito pela vida alheia, definitivamente fizeram um péssimo trabalho com a própria sombra. Eles são assombrados pela própria carga mental psíquica, gerando assim formas-pensamento obcecadas e vampirizadoras. O problema dos obsessores é que, para Jung, eles influenciam o inconsciente coletivo e isso nos afeta como um todo.

A sombra é, em não menor grau, um tema conhecido da mitologia; mas como representa, antes e acima de tudo, o inconsciente pessoal, podendo por isso atingir a consciência sem dificuldades no que se refere a seus conteúdos, além de poder ser percebida e visualizada, se diferencia, pois do animus e da anima, que se acham bastante afastados da consciência: este o motivo pelo qual dificilmente, ou nunca, eles podem ser percebidos em circunstâncias normais. Não é difícil, com certo grau de autocrítica, perceber a própria sombra, pois ela é de natureza pessoal. Mas sempre que tratamos dela como arquétipo, defrontamo-nos com as mesmas dificuldades constatadas em relação ao animus e a anima.

Carl Gustav Jung

É por isso que recorremos a fábulas, histórias e lendas urbanas. Pois eles são capazes de nos contar, de forma metafórica, aquilo que permeia o inconsciente coletivo.

O fantasma da ópera

O Fantasma da Ópera é um excelente exemplo para ilustrar bem este texto. Trata-se de um romance gótico francês escrito por Gaston Leroux. O autor nos apresenta Christine Daaé, cantora de ópera que é assombrada por um fantasma que habita o teatro. Ela é sequestrada por ele, que se apresenta como Erik. O personagem usa uma máscara que encobre parte do seu rosto carcomido.

Christine fica de fato encantada por aquele fantasma, porém ela tem um amor de sua infância, Raoul. Bom, a história se desenrola entre paixão e traição com pitadas da dramaticidade típicas de Leroux. Porém ela simboliza muito mais que um triângulo amoroso. Erik representa as trevas e Raoul a luz. Christine, dividida entre as duas, precisa escolher. Mas a verdade é que essa sombra sempre esteve em sua mente, como percebemos na música a seguir:

No sono ele cantou para mim, nos sonhos ele veio
Aquela voz que me chama
E diz meu nome
E estou sonhando novamente? Agora eu descubro
O Fantasma da Ópera está aqui
Dentro da minha cabeça

Tradução | The Phantom of the Opera

A música tema também revela outras questões, tal como a obsessão que a própria Christine criou. Erik nada mais seria que uma forma-pensamento tão forte e poderosa que chegou inclusive a assombrar e a vampirizar sua criadora:

Meu poder sobre você fica ainda mais forte
E embora você tenha me visto de relance, às suas costas
O Fantasma da Ópera está aí
Dentro da sua cabeça

Tradução | The Phantom of the Opera

Outro trecho deixa essa interpretação ainda mais evidente. Na verdade, a máscara que Erik usa para cobrir o seu rosto carcomido representa a máscara que a própria Christine ignora.

Aqueles que viram seu rosto
Recuaram com medo
Eu sou a máscara que você usa

Tradução | The Phantom of the Opera

Conclusão

É muito importante perceber quais obsessões estão sendo alimentadas e quais fantasmas o próprios magista está criando. Se ele quer poder, amor e dinheiro, obviamente ele precisa estudar as vias para alcançar o que deseja sem necessariamente sabotar a si mesmo e perder tudo o que já tem. É muito interessante querer manter uma postura obscura que cai como uma luva para a sociedade ocultista, porém também é primordial perguntar-se qual é o preço que você deseja pagar.