Frater Optimus e os Sacrifícios Satânicos

Frater Optimus e os Sacrifícios Satânicos

Frater Optimus

Frater Optimus é um mago de outros tempos – tempos mais civilizados. Em sua coluna, ele compartilha com os leitores as coisas que mais o incomodam no mundo do ocultismo em nossos tempos.

Nessa semana, o assunto de Frater Optimus não poderia ser outro: o suposto sacrifício satânico de duas crianças, que teria ocorrido recentemente no Rio Grande do Sul.

Era só o que me faltava. Com esse papo de sacrifícios satânicos que está correndo na mídia, a credibilidade da nossa categoria vai para onde? Para o fundo do poço, é claro. E tudo por causa dessa gente que joga contra.

Tudo bem, talvez seja precipitado botar toda a culpa em uma só das partes. Afinal, eu não sei exatamente quais são os fatos – estou acompanhando este caso pelo que os jornais andam escrevendo, e os jornais raramente contam os fatos como eles são. Mas pelo que chegou ao meu conhecimento até agora, eu acho que todo mundo está errado.

Para começo de conversa, está errado o delegado que investiga o caso. Onde já se viu, misturar crenças pessoais com um trabalho de investigação que deveria ser sério e imparcial? O delegado, crente, pelo que tudo indica, chegou aos nomes dos suspeitos por uma “inspiração divina” do pastor de sua igreja! Será que ele já ouviu falar em evidências, provas, investigação, etc.? E, pelo que pude perceber, ele não está tratando os presos como o que eles são (suspeitos), e sim como o que ele acredita que eles são (culpados). É uma total inversão de valores! Um exemplo da sua evidente parcialidade: eu li em algum jornal que o delegado trabalha com a hipótese de que os “suspeitos” estariam falando em aramaico no meio do ritual. Meus caros… pergunto a vocês, brasileiros médios: vocês saberiam diferenciar aramaico e hebraico, se ouvissem um trecho falado em um desses idiomas, aqui e agora? Imagino que a maioria de vocês tenha respondido que não. Então por que o delegado está tão convencido desse detalhe curioso? Acho que está claro – o hebraico não está associado com coisas “do capeta”, afinal de contas, existe um país inteiro que tem essa língua como idioma oficial, e imagino que não seja uma Nação Satanista. Mas aramaico? Só um cidadão claramente mal-intencionado fala aramaico. Será essa a lógica do delegado? Não seria uma predisposição a acreditar na bizarrice (e, por extensão, no caráter “satânico”) do caso? Eu acho essa sua “certeza”, no mínimo, questionável.

Está errado o Estado, que se diz laico, mas permite que uma operação da Polícia receba o nome de “Operação Revelação”, e seja conduzida da forma como está sendo conduzida. Vamos ver se essa prisão preventiva não vai virar definitiva, mesmo sem evidências concretas, só porque os satanistas “devem” ser os culpados. Veja essa afirmação do Diretor do DPM (ou seja, o chefe do chefe do delegado crente):

A gente vive em um país que respeita as crenças religiosas. E elas não prejudicam em nada o inquérito, pois há provas testemunhais e técnicas.

Se é assim, cadê essas provas? E desde quando testemunho vale de alguma coisa no Brasil? O senhor está pensando que eu sou moleque?

Estão errados os jornalistas, que contam a história pela metade e fazem questão de fazer alarde na mídia para vender jornal e ganhar IBOPE no horário nobre. Está certo, eles vivem disso, é o trabalho deles, mas um certo nível de compromisso com a realidade é o mínimo que se espera do jornalista sério. Eu tenho certeza de que o caso não é tão escabroso nem tão macabro quanto os jornais estão fazendo ele parecer.

Estão errados os ditos satanistas – que de satanistas provavelmente não têm nada, porque satanista de verdade não faz mal a ninguém. Ué, Frater Optimus, você está dando todo esse discurso de presunção de inocência, mas vem agora afirmar categoricamente que os tais satanistas fizeram o mal? Sim, é exatamente o que eu estou afirmando. Porque, caso os suspeitos (que são apenas suspeitos!) tenham de fato sacrificado essas crianças, eu nem preciso comentar o nível de demência que deve afetá-los. Mas mesmo que eles não tenham matado ninguém, eles são culpados de uma coisa: enganar os outros. Vender pacto com o diabo? Vender feitiços diversos da Alta Magia Negra? Vender afiliações com o Deus Lúcifer (mas hein?)? E vender tudo isso por um preço tão ridiculamente caro que precisam oferecer parcelamento em 18 vezes sem juros no cartão? (Eu não estou de brincadeira, os suspeitos realmente fazem isso – ou faziam, antes de serem presos.) É, não tem como defender. Esses “satanistas” podem até não ser assassinos malucos, mas no mínimo são pilantras e enganadores da pior categoria.

E, finalmente, estão errados os clientes. Porque se o que metade do que os jornais estão dizendo for verdade, os clientes que encomendaram esse ritual pagaram a módica quantia de R$25.000,00 (sim, vinte e cinco mil reais!) por um ritual. E um ritual com qual objetivo? Prosperidade, é claro! Ora, façam-me um favor. Qualquer um que tenha essa quantidade de dinheiro sobrando, para aplicar a fundo perdido, obviamente não precisa de mais prosperidade. Tem que ser mesmo muito burro… Juro que não consigo entender.

Todo mundo que conhece o mínimo que seja sobre satanismo sabe que ele não tem nada a ver com sacrifício. Na verdade, o satanismo é uma das filosofias/religiões/correntes que mais respeita a individualidade. Não estou falando só da linha do LaVey – todo satanismo sério parte desse mesmo princípio. (Se você acha que os satanismos que se difundiram no século XX são versões amaciadas da verdadeira arte, vá se informar. E se tratar.) E individualidade, apesar disso não ser óbvio, inclui a individualidade do outro, não só a sua. Realizar um sacrifício humano é o extremo oposto do respeito à individualidade. Se esses suspeitos de fato são os culpados pelo assassinato dessas crianças, eles então devem ser culpados de três acusações: enganar os outros, matar as crianças, e sujar o nome dos satanistas de bem. Sim, satanistas de bem. Eu não conheço um satanista sequer que por baixo da casca de malvadeza não seja uma boa pessoa e que não siga muito seriamente um código ético/moral.

Eu mal voltei da minha folga de fim de ano e já me deparo com um absurdo desses. Preciso dar um tempo, não tenho mais idade para esquentar a cabeça com esse tipo de coisa. Se fosse novidade, tudo bem. Mas não é. Volta e meia o drama se repete. Só posso esperar que todas as partes envolvidas lidem melhor com a situação. Mas, francamente, minhas esperanças andam bastante baixas ultimamente.

Mas você pode fazer alguma coisa. Se você aí, que está lendo isso agora, se acha o mago malvadinho, você pode fazer alguma coisa. Pense nas bostas que você anda pensando, falando e fazendo por aí. Pare de sujar o nome dos magistas de verdade. Não estou dizendo para deixar de se orgulhar do que você é – você deve manter esse orgulho, sempre. Mas não precisa jogar contra a nossa causa, que é coletiva, por mais que você não goste da ideia. Não precisa se comportar de forma ridícula e espalhafatosa só porque você é diferente. Porque nós não vivemos, e não viveremos tão cedo, em um estado laico de verdade. Não se engane: estes são tempos de terrorismo religioso, e no Brasil ele se manifesta com uma roupagem neopentecostal. Se você posa de satanista malvado por aí, além de sujar o nome dos seus pares, você será sempre o principal suspeito de qualquer coisa estranha que aconteça ao seu redor. Não estou sugerindo que você deixe de ser você mesmo. Minha sugestão é simples: misture-se. Tente não ser mais um otário passando vexame no Jornal Nacional.

Frater Optimus e os Sacrifícios Satânicos

Texto publicado originalmente no site do Magic(k)ando.