Decifrando o Baphomet de Levi

Decifrando o Baphomet de Levi

Hoje em dia a imagem que a maioria dos interessados em ocultismo têm de Baphomet está mais ou menos consolidada. E esse fato é normalmente atribuído à clássica obra de Eliphas Levi, Dogma e Ritual da Alta Magia. Mas o simbolismo de Baphomet é muito anterior a Levi. Então, de onde ele tirou inspiração para fazer sua ilustração clássica?

Baphomet e os Templários

Não é segredo para ninguém que os Cavaleiros Templários foram desmantelados pela Igreja Católica no século XIV.

Os Templários estavam começando a acumular muito poder militar, muitas riquezas e muita influência. E mesmo estando vinculados à Santa Sé, nunca é salutar para a elite governante deixar um grupo poderoso demais se estabelecer. Mesmo que não haja nenhum documento afirmando isso, está claro que a Igreja determinou que os Templários precisavam acabar, e que era preciso arrumar uma desculpa plausível para isso.

Durante suas viagens pela Terra Santa, os Templários tiveram contato com outras culturas não cristãs. Isso era muito incomum naquela época, já que viajar era caro, lento e perigoso, e já que o cristianismo era a religião dominante em toda a Europa. O contato com essas culturas exóticas (e sua eventual assimilação) foi o suficiente para justificar acusações de idolatria e de práticas pouco ortodoxas da parte dos Templários.

A Inquisição, como se sabe, arrancava de suas vítimas qualquer coisa que quisesse ouvir, mediante tortura, ameaças, terror psicológico, etc. E, ao interrogar os Templários, conseguiram compilar uma série de confissões de idolatria. Foi nessa época que surgiu o conceito de que os Templários adoravam ídolos, que podiam ser uma cabeça, um animal, um crânio. A imagem variava, mas o nome era sempre o mesmo: Baphomet.

Cinco Séculos Depois

Os Templários foram queimados, a Ordem acabou, e o assunto ficou um tempo meio esquecido. Mas cinco séculos depois, alguém resolveu cutucar novamente essa ferida.

Em um ensaio publicado pelo austríaco Joseph von Hammer-Purgstall, surgiu a hipótese de que quatro ídolos dos Templários, em forma de cabeças, haviam sido encontradas, e que elas seriam os “Baphomets” da extinta Ordem de Cavalaria.

A tal descoberta teria acontecido em 1818, anos antes de Levi escrever seu Dogma e Ritual, e certamente instilou sua curiosidade sobre o tema. Mas o Baphomet de Levi certamente não era só uma grande cabeça.

Os Símbolos do Baphomet de Levi

Em Dogma e Ritual da Alta Magia, Levi descreve Baphomet da seguinte forma:

O bode, que é representado no nosso frontispício, traz na fronte o signo do pentagrama, com a ponta para cima, o que é suficiente para fazer dele um símbolo de luz; faz com as mãos o sinal do ocultismo, e mostra em cima a lua branca de Chesed, e embaixo a lua preta de Geburah. Este sinal exprime o perfeito acordo da misericórdia com a justiça. Um dos seus braços é feminino, o outro é masculino, como no andrógino de Khunrath, cujos atributos tivemos de reunir aos do nosso bode, pois que é um único e mesmo símbolo. O facho da inteligência que brilha entre os seus chifres é a luz mágica do equilíbrio universal; é também a figura da alma elevada acima da matéria, embora esteja presa à própria matéria, como a chama está presa ao facho. A cabeça horrenda do animal exprime o horror do pecado, de que só o agente material, único responsável, deve para sempre sofrer a pena: porque a alma é impassível por sua própria natureza, e só chega a sofrer, materializando-se. O caduceu, que está em lugar do órgão gerador, representa a vida eterna; o ventre coberto de escamas é a água; o círculo que está em cima é a atmosfera; as penas que vêm depois são o emblema do volátil; depois, a humanidade é presenteada pelos dois seios e os braços andróginos desta esfinge das ciências ocultas.

 

Eliphas Levi – Dogma e Ritual da Alta Magia, Pensamento, 1997 – pp. 337-338.

Resumindo bastante, a representação de Levi inclui inúmeros símbolos para uma mesma coisa: dualidade. Seu Baphomet é claro e escuro, alto e baixo, masculino e feminino, solve e coagula, animalesco e humano.

Mas como foi que Levi partiu de um ídolo-cabeça e chegou a um simbolismo tão completo? E se a cabeça dos Templários era humana, de onde veio a cabeça de bode do Baphomet de Levi?

Baphomet de Eliphas Levi

O Bode de Mendes e O Diabo do Tarô

Joseph von Hammer-Purgstall, o sujeito que “descobriu” as cabeças dos Templários, as associou com a divindade Mêté (Sabedoria) dos Gnósticos. Levi pode ter misturado Mêté com Mendes, o nome grego da cidade egípcia de Djedet, que tinha como divindade um bode. O bode de Mendes, portanto, era um deus-bode.

Some isso com o simbolismo do Arcano XV do Tarô, O Diabo, que na época de Levi já mostrava uma imagem animalesca portando uma luz, com uma mão para cima e outra para baixo, com asas, etc.

Some isso também às imagens grotescas das gárgulas, muito presentes em Paris, onde Levi morava.

E, finalmente, some isso ao conceito alquímico do Azoth, que Levi conhecia muito bem.

O Arcano XV

Baphomet e o Azoth dos Filósofos

O Azoth é um conceito alquímico muito anterior ao próprio Levi, tendo sido descrito no século XVII por Basílio Valentim.

O próprio nome Azoth inclui as letras A e Z, o Início e o Fim, o Alfa e o Ômega. É a matéria prima em estado bruto e caótico, no começo da Grande Obra, e a Pedra Filosofal acabada, em seu término.

O próprio Levi descreve o Azoth, em termos simbólicos, como uma mulher pisando na cabeça de uma serpente. Essa figura da Mulher dominando a Besta também está presente no Tarô, como você pode ver nessa imagem.

E esse é o elemento que faltava: o humano e o bestial unidos.

E é dessa salada de referências que nasce o Baphomet de Levi.

Arcano XI

O Baphomet Definitivo

Baphomet – como todo mistério oculto que se preze – é muito mais do que uma imagem em um livro ou um monte de conceitos misturados. É algo que precisa ser vivido e sentido para que possa começar a ser compreendido.

Eliphas Levi viveu no século XIX, e nós estamos no século XXI. Sua contribuição sem dúvida foi importante, mas é importante ressaltar que Levi não inventou Baphomet, e certamente sua representação não é a única, e nem a definitiva.

Hoje em dia existem vários grupos e indivíduos que trabalham essencialmente com Baphomet, em suas diversas manifestações: como divindade, como inspiração, como a força da vida na Terra e até como um bicho estranho com cabeça de bode.

Uma visão atual sobre Baphomet pode ser encontrada em O Livro de Baphomet, de Julian Vayne e Nikki Wyrd, que está sendo lançado em português pela Penumbra Livros. O livro traz desde a origem histórica de Baphomet até suas interpretações mais contemporâneas.

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