Frater Optimus e o Discordianismo

Frater Optimus e o Discordianismo

Frater Optimus

Nosso colunista, Frater Optimus, é um mago das antigas. Essas coisas modernas (e outras nem tão modernas assim) sempre são um choque de realidade para ele. E é aqui que ele demonstra sua indignação com as “palhaçadas” do mundo contemporâneo.

Neste texto, Frater Optimus tenta descobrir como diabos o discordianismo se manteve de pé até hoje.

Era só o que me faltava. Estava tomando minha média na padaria e um rapazote veio me entregar um cartão. Pensei que fosse uma propaganda qualquer, um santinho, qualquer coisa assim. Aceitei, por educação mesmo. Quando consegui pegar meus óculos, o menino já tinha ido embora. Quando finalmente consegui ler, meu sangue gelou. Macacos me mordam! Era um cartão de Papa! Isso significa que o discordianismo está de volta. Ou que ele nunca acabou. Era só o que me faltava.

Um tempo atrás, quando começou essa história de discordianismo, eu pensei que fosse só uma modinha passageira, coisa de maconheiro, coisa de hippie. Aqui no Brasil nem apareceu nada disso (na época dos militares essas coisas não se estabeleciam). Fiquei sabendo mais porque tinha amigos que moravam fora. Pensei que em no máximo uns dez anos não fosse sobrar nada. Mas agora, com esse cartão, descobri que ainda existem discordianos por aí – e que eles estão onde você menos espera, até mesmo em uma pacata padaria!

E não são só hippongas que ficaram presos para sempre em uma viagem de ácido desde a época do Vietnã. Não senhor! Tem gente jovem também, como esse menino que me entregou o cartão. Quando esse garoto nasceu, já era paro o discordianismo ter acabado. Mas ele está aí, distribuindo cartões, doutrinando, pregando a palavra de Éris. E não deve estar sozinho. Onde esse mundo vai parar?

Eu francamente não consigo entender o propósito de uma pessoa se dar ao trabalho de inventar uma religião que obviamente não é séria. Entendo menos ainda quem abraça uma religião dessas e perde tempo com isso. Tudo bem, eu entendo que muitas religiões não são sérias. (Na verdade, a maioria delas não é.) Mas quase todas se esforçam para transmitir um mínimo de confiabilidade. O discordianismo não. É outra coisa, muito diferente: qualquer um, logo no primeiro contato, consegue perceber que é tudo bobagem.

Será que os malucos que inventaram o discordianismo acreditavam de verdade que alguém seria enganado por essa imbecilidade? Ou será que só queriam achar outros malucos que nem eles, e nunca tiveram a intenção de fazer a coisa virar uma religião de verdade? Eu sinceramente não sei o que eles estavam pensando. Provavelmente não era boa coisa.

Mas aí fiquei pensando: como é possível que os discordianos estejam aí na ativa, até hoje, como esse menino panfleteiro parece demonstrar? O discordianismo é um empreendimento falido, que já começou errado. Para começo de conversa, você sabia que um dos malucos que inventou essa palhaçada esteve envolvido no assassinato de John Kennedy? Pois é! Como uma coisa que tenha brotado na cabeça desses insanos tem condição de se sustentar até hoje?

Uma coisa me surpreende de verdade no discordianismo: a capacidade de não apenas vender uma ideia absurda, mas também de fazer as pessoas comprarem. Eu diria que boa parte da culpa pela divulgação e propagação dessa doutrina maluca esteja na conta do Principia Discordia, o “livro sagrado” que os primeiros discordianos escreveram. Eis aí uma belíssima peça de marketing. Me admira que até hoje não tenham percebido que é uma tremenda pilantragem.

A heresia também deve ter tido seu valor. Quando os discordianos decidiram que não adorariam o deus abraâmico, nem se bandeariam com os panteões clássicos, nem com as vertentes mais satânicas, eles cavaram um nicho para si. Eleger Éris como deusa suprema é uma ideia boa, verdade seja dita. É uma mulher, o que por si só já era ousado para a época. (Hoje em dia isso não teria tanto impacto.) Ela não é obviamente boa, mas também não é inerentemente má. Tem a carga exata de heresia para quem quer se achar diferentão, malandrão. Mas vou te falar uma coisa: para o bem desses adoradores, é bom que Éris não esteja dando a menor bola para eles. Venerar a Deusa da Discórdia e esperar que as coisas deem certo na sua vida é, no mínimo, uma burrice.

Outras coisas que eu acho que podem ter feito o discordianismo prosperar são a sensação de pertencimento e a síndrome do pequeno poder. Essa é a única religião que eu conheço em que qualquer um pode dizer que é Papa, e não existe ninguém com autoridade suficiente para desdizer essa pessoa. Agora temos um monte de gente por aí que prefere ser o papa da bosta do que a bosta do papa. Muito conveniente.

Acho que já sei por que o discordianismo continua vivo, depois de tantas décadas. Ele nada mais é do que uma brincadeira de mal gosto que saiu do controle. Dois maconheiros decidiram aplicar um chiste em seus amigos. Tinham muito tempo livre, e conseguiram montar uma estrutura básica para a pegadinha se autopropagar. Eu gosto muito da expressão “batendo palma para maluco dançar”. Só que nesse caso, foram os malucos que ficaram batendo palma para os outros dançarem. Os malucos já morreram, mas as palmas ainda ecoam. E hoje temos um monte de discordianos por aí. Até na padaria perto aqui de casa.

Na verdade, eu só não me conformo com a estupidez dos discordianos, mas não tenho nada contra eles. Ao contrário dos fieis de várias outras religiões, eles não enchem o saco de ninguém (pelo menos não enchiam – com essa coisa recente de panfletagem, já não sei). Mas agora, além deles, existem os fieis da Igreja do Subgênio, pastafarianos, os batatistas, e várias outras religiões obviamente não sérias. Os discordianos me pareciam inofensivos, mas receio que eles possam ter aberto as porteiras para um caminho sem volta. Será que se eu inventar o “Optimismo” a coisa vai para a frente?

   conheça o principia discordia, o livro sagrado do discordianismo

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