Penumbra Entrevista: Peter J. Carroll

Penumbra Entrevista: Peter J. Carroll

Por Vinicius Ferreira

 

Peter J. Carroll é um dos precursores da Magia do Caos. Sua obra seminal, Liber Null e Psiconauta, é até hoje a principal obra de referência sobre o tema. Mas, por incrível que pareça, esse livro nunca havia sido publicado em português.

Carroll é um tanto avesso à exposição na mídia. Buscando no Google, dificilmente você conseguirá encontrar uma foto sua (cuidado: há um homônimo por aí, mais ou menos com a mesma idade, e muita gente confunde os dois). Entrevistas são menos raras, mas é possível contá-las nos dedos de uma mão. Mas, em virtude do lançamento de seu primeiro livro no Brasil, pela Penumbra Livros, Carroll concordou em nos conceder uma entrevista exclusiva.

Nessa entrevista, Carroll atualiza alguns temas abordados no livro, revela curiosidades, apresenta seus projetos atuais, entre outras coisas.

Sem mais delongas, com vocês, a entrevista na íntegra.

 

Vinicius Ferreira: Quando o Liber Null foi disponibilizado ao público geral pela primeira vez, ele servia como um programa de auto treinamento para qualquer um interessado em praticar Magia do Caos. Com o tempo, ele deu origem a toda uma nova e revolucionária subcultura Mágica. Quando escreveu o livro, você imaginava que isso poderia acontecer? Você se sente satisfeito com as consequências que sua obra trouxe para nossa realidade atual?

Peter J. Carroll: Eu escrevi o Liber Null para mim, a princípio. Um “renascer da magia” ocorria na época, no qual vários livros de renascimentos anteriores voltavam a ser publicados, como materiais da Aurora Dourada e Aleister Crowley, Austin Spare, e também um monte de materiais de épocas antes dessa, como Eliphas Levi e materiais renascentistas. Além disso, tínhamos um monte de materiais novos, vindos de fontes orientais e da perspectiva científica. Tudo parecia tremendamente confuso. Eu sentei para escrever para mim mesmo um grimório que contivesse apenas materiais que funcionassem para mim, na teoria e na prática – basicamente, eu buscava simplicidade e eficácia.

Acho que a nova perspectiva, simplificada e baseada em resultados, agiu como um sopro de ar fresco e influenciou todo esse renascimento; até mesmo revivalistas de Crowley e da Bruxaria adotaram partes dessa perspectiva.

No entanto, algumas pessoas parecem ter entendido errado, pensando que magia não requer esforço, comprometimento e prática, e que você pode ignorar uma falta de resultados desde que se divirta praticando. Eu penso que um magista deve sempre lutar por resultados tangíveis e respostas verificáveis.

 

V: Menos de 5% dos brasileiros entendem inglês. Com a publicação pela primeira vez de Liber Null e Psiconauta em português, muitos terão pela primeira vez a oportunidade de ler sua obra. Além de ler livros, que conselho você daria àqueles que iniciam seus estudos de Magia do Caos?

P: Bem, eu duvido muito que 1% dos britânicos entendam português! Os britânicos tornaram-se muito preguiçosos a respeito de línguas estrangeiras, pois o inglês (americano) tornou-se muito dominante na mídia mundial. A Grã-Bretanha fez grandes contribuições para o esoterismo por vários motivos. A reforma protestante levou a um questionamento de muitas ideias tradicionais, e também ao desenvolvimento da ciência e à revolução industrial. A revolução industrial provocou o romantismo, no qual as pessoas olharam para o passado, para ideais místicos e mágicos mais antigos. Além disso, o Império trouxe novas ideias dos cantos distantes do mundo e os colocou na mistura.

Eu diria a qualquer um interessado em Magia do Caos ou em esoterismo moderno em geral para procurar ideias e práticas que apareçam em muitas culturas, e tentar descobrir os elementos comuns, para ver se alguma dessas coisas faz algum sentido em termos do que nós entendemos da ciência e da psicologia. Acima de tudo, faça alguns feitiços e invocações, e veja o que você consegue aproveitar disso.

 

V: As ilustrações feitas por Brian Ward para o Psiconauta costumam gerar uma certa curiosidade. Em algumas ocasiões, já vi pessoas discutindo sobre significados ocultos nessas imagens. Pessoalmente, eu creio que todos têm a liberdade de escolher o significado que melhor lhes aprouver – não só para as ilustrações, mas para absolutamente tudo. Mas ao criar essas ilustrações, o artista tinha em mente alguma orientação ou significado em particular?

P: Eu dei ao Brian Ward total liberdade para desenhar o que ele achasse adequado para complementar o texto. Ele fez isso, e então desapareceu. Ninguém que eu conheça tem tido contato com ele há muitos anos. Para mim, seus desenhos parecem sugerir um Gnosticismo, com uma pitada de H. P. Lovecraft, o que parece absolutamente apropriado, e talvez presciente.

 

V: O mundo mudou um bocado ao longo das últimas décadas. Comparando com a época na qual você as escreveu, você diria que suas previsões para o Quinto Aeon se encontram mais próximas de se tornarem realidade?

P: Eu creio que nossa visão de nós mesmos começa a mudar, ideias do eu unitário e da alma imortal e da moralidade recebida parecem ceder espaço às seguintes formas de insight na Psicologia: Pensamentos não representam Fatos. Crença atrai Confirmação. (Terapia Cognitivo-Comportamental, e Pensamento Positivo.) Estes representam aspectos populares do pensamento mágico.

 

V: De acordo com o modelo da psicohistória aeônica apresentado por você em Liber Kaos, onde você diria que nos encontramos nesse momento? O que você acha que todos podemos fazer para garantir uma perspectiva melhor para o futuro?

P: A teoria do Transcendentalismo parece se retrair frente ao Humanismo em quase toda parte, exceto no mundo Muçulmano. Parecemos conquistar ainda mais poder sobre a matéria a cada década que passa, e começamos a tocar nas perguntas sobre o funcionamento da mente-cérebro e da mortalidade, de uma forma que pode finalmente nos oferecer algumas escolhas a respeito dessas coisas. Agora temos a capacidade técnica de ou destruir a ecologia planetária ou nos adaptarmos a uma relação mais harmoniosa com ela.

 

V: Todos temos emoções conflitantes a respeito de Aleister Crowley. O que você acha que representa a contribuição mais relevante dele para o mundo?

P: Crowley, de muitas formas, permanece um personagem desagradável e sociopata. No entanto, ele pegou as ideias da Aurora Dourada (fundamentalmente ideias de Mathers) e as levou a novos níveis e extremos, adicionando sexo, drogas e misticismo oriental. Ele começou a vida rico e a terminou na pobreza, e seu misticismo se tornou megalomaníaco. Acho que podemos aprender muito com seus erros. A Magia do Caos se define parcialmente como a oposição das ideias de Crowley, em particular a ideia de “verdadeira vontade”.

 

V: Antes de trabalhar com livros, eu trabalhava com tecnologia de ponta. Na época, eu costumava citar a famosa lei de Arthur C. Clarke: “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia”. Minha cabeça explodiu com a Lei de Stokastikos, em seu PsyberMagick. Você tem um exemplo moderno da Lei de Stokastikos na prática?

P: Medicamentos placebo e o poder da crença e da intenção representam exemplos simples. A ciência agora aceita por completo que essas coisas exercem efeitos poderosos, quando revestidos do “ritual” adequado. Isso já entrou no cânone da teoria científica respeitável, embora componha desde sempre os fundamentos da medicina xamânica e mágica.

 

V: Eu li em algum lugar que você só coleciona livros de A.O.S., porque eles podem conter alguma camada de significado oculto que ainda pode vir a lhe surpreender. Você chegou mais perto de entender o Spare? O que você recomendaria a alguém que acabou de começar a tentar desvendar o enigma de A.O.S.?

P: Devido a restrições de espaço, eu costumo só guardar livros que não compreendo plenamente, e os demais eu dou para outros magos. Os métodos de lançamento de encantamentos e de divinação de A.O.S. encontram-se bem claros em seus livros. No entanto, ele teve uma vida privada rica e idiossincrática, que ele descrevia com uma terminologia muito peculiar e com uma linguagem muito excêntrica. Muitos de nós ainda ponderam sobre o que isso pode significar, ou o que significava para ele.

 

V: Como um magista-cientista, ou cientista-magista, você se mantém atualizado quanto às mais recentes notícias da ciência. Qual campo da ciência, em particular, você crê que pode trazer as novidades mais interessantes e aplicáveis para os praticantes de magia no futuro próximo?

P: Realidade virtual compartilhada pode abrir algumas possibilidades interessantes. Dispositivos quânticos sensíveis o bastante para responder diretamente a pensamentos podem trazer outras.

 

V: Você pode revelar seus projetos atuais?

P: Como talvez eu só tenha mais 30 anos de vida pela frente, decidi atacar as questões realmente grandes da ciência, filosofia, metafísica e mente. Como fiz minha fortuna ao começar um negócio de produtos naturais, e não na academia, isso me permite o luxo de explorar ideias muito heréticas, e cometer erros sem perder meu ganha-pão.

Atualmente, atuo em três frentes:

a) O Macrocosmo. Eu acho insatisfatórias todas as variações de teorias de um universo em expansão. Acredito que a hipótese da expansão resulta de uma má interpretação dos dados disponíveis, levando a conclusões sem sentido, com implicações metafísicas inapropriadas para a religião, filosofia e esoterismo. Meus primeiros quinze anos de trabalho nesse tema até então conduziram a duas coisas: a hipótese da Cosmologia Hiperesférica

Veja http://www.specularium.org/hypersphere-cosmology.

Além disso, há indícios de que uma inteligência extraterrestre (?) de natureza Yog-Sothothiana possa trazer mais luz sobre esse tema.

b) O Microcosmo. Nossa compreensão científica atual da microestrutura do universo permanece uma bagunça fascinante. Ninguém de fato compreende a física quântica, como os melhores físicos quânticos não hesitam em admitir.

No entanto, a física quântica pode provavelmente fornecer as bases para a descrição dos fenômenos mágicos – embora, assim como todo o resto da física quântica, isso continue uma disputa acalorada.

Atualmente, busco ideias heterodoxas sobre Hiperesferas Quânticas, embora essa hipótese não tenha avançado tanto quanto o modelo da Cosmologia Hiperesférica, a despeito da invocação de Azathoth, uma entidade identificada como uma fonte extraterrestre (?) de conhecimento ou inspiração sobre tais temas.

Veja http://www.specularium.org/3d-time.

c) O Médio-cosmo. “A Condição Humana” oferece uma fonte inesgotável de fascínio.

O que aquilo que chamamos de nossa “mente”, nossa “consciência” e nosso “inconsciente”, ou nosso “subconsciente” fazem de verdade? Quais efeitos os fenômenos que chamamos de “eu” ou “deuses” e “espíritos” realmente exercem? Quais formas de transumanismo devemos escolher, quais poderes divinos nós desejamos?

Isso pode parecer um tanto demais para ocupar meus eus, mas por que não? Afinal, os Magistas audaciosamente vão aonde os outros temem caminhar, armados com poderosas arrogância e curiosidade.

 

 

Penumbra Entrevista: Peter J. Carroll

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