Gnósticos, Babalon e Abraxas

Gnósticos, Babalon e Abraxas

Nos primeiros séculos depois de cristo, o cristianismo ainda não existia na forma que o conhecemos. Diversos grupos com crenças distintas, mais ou menos inspiradas em Jesus, começaram a se organizar. O cristianismo que sobreviveu até os dias de hoje descende das ideias de um desses grupos. Mas os que deixaram de existir com o passar dos séculos tinham algumas ideias muito interessantes. Entre esses grupos, destacam-se os Gnósticos, com seus ritos curiosos, suas divindades alternativas e as polêmicas que os circundam até hoje.

A Importância dos Gnósticos

Boa parte do conhecimento oculto ocidental que temos hoje vem da idade média e do renascentismo. Mas os Gnósticos foram, ao seu modo, precursores de diversos conhecimentos que ressurgiram séculos (e milênios) mais tarde.

Os Gnósticos eram, de certa forma, seguidores do cristianismo, mas misturavam em suas crenças e práticas conceitos oriundos dos gregos, egípcios e do oriente. E por isso foram capazes de antecipar a cabala e a alquimia, que vieram a surgir na Europa cristianizada muitos séculos depois.

Muitos dos conceitos aplicados pelos Gnósticos derivam de culturas e tradições extremamente antigas, e muitas de suas crenças não são compreendidas até os dias de hoje, apesar do material que sobreviveu às areias do tempo.

(…) se alguém estiver tentando redescobrir ou mesmo inventar o temido Necronomicon dos mitos de Lovecraft, o gnosticismo seria a melhor fonte.

 

Peter J. Carroll, Liber Null e Psiconauta

Um Cristianismo Esquisito

Se você for hoje a uma igreja católica, vai se deparar com um cristianismo meramente contemplativo e devocional. O cristianismo dos Gnósticos não era assim. Apesar de haver uma certa organização hierárquica entre os Gnósticos, sua forma de experimentar a religiosidade era intensamente prática. Seus ritos eram praticados por todos, e eram intensamente mágicos em seu teor.

Os Gnósticos realizavam regularmente atos de magia cerimonial. Entre suas principais práticas, pode-se listar a conjuração de familiares, uso de drogas alteradoras da consciência e ritos de necromancia. Está bastante evidente que um culto, seita ou religião que dê esse tipo de poder na mão do praticante comum não é capaz de exercer domínio social sobre o povo. Eis uma possível explicação para a Igreja que temos hoje ser como é.

Sua visão de Cristo também não era tão reverente e fanática como a que conhecemos. Muitos dos famosos Evangelhos Apócrifos são de origem Gnóstica. Nesses textos, a história de Jesus não é tão imaculada quanto estamos acostumados a ler e ouvir. Mas isso é tema para outra conversa.

Chocando a Sociedade

Os Gnósticos tinham uma predileção por chocar, por subverter a moral e os bons costumes de sua época. Seus ritos normalmente envolviam orgias e drogas, com todo tipo de perversão que pudessem conceber. Isso era feito, muitas vezes, de forma deliberada. Alguns grupos enxergavam a procriação humana como algo negativo, e deliberadamente abortavam e ingeriam fetos. O chocante era parte integrante de sua espiritualidade.

Mas talvez a maior heresia (no sentido dicionarial) dos Gnósticos seja a ideia de que Jesus não é filho de Deus, e sim um espírito benigno enviado à Terra por Abraxas, sua divindade maior. Vamos falar do Abraxas mais para a frente.

Babalon e Abraxas

Os Gnósticos consideravam a realidade separada em trinta níveis, ou arcontes. Desses, o primeiro era a realidade objetiva. Os demais ficavam progressivamente mais complexos. A projeção de pensamento desse primeiro arconte, nossa realidade, era chamada por eles de Barbelo, ou Barbelon. Era uma personificação claramente feminina. E o nome não é pura coincidência. É a ideia básica que deu origem ao nosso conceito moderno de Babalon.

E há, é claro, Abraxas, a principal divindade dos gnósticos (que, desnecessário dizer, eram cristãos mas não monoteístas). Abraxas tem diversos nomes e diversas formas. Kenneth Grant, em O Renascer da Magia, defende que a grafia original é Abrasax, sendo Abraxas uma grafia alternativa. O Dictionnaire Infernal cita a forma Abracax, além de Abraxas. Também era, ocasionalmente, chamado de Aeon – sim, a mesma palavra usada para designar períodos de tempo. A grafia exata pode parecer irrelevante, mas a gematria associada à palavra é da maior importância. De seu nome deriva a fórmula de IAO, o número 418 e a palavra Abracadabra, ou Abrahadabra.

As formas também são várias. O Dictionnaire Infernal diz que Abraxas aparece em amuletos com uma cabeça de galo, pés de dragão e um chicote em suas mãos. De acordo com a mesma fonte, alguns demonólogos o descrevem como tendo uma cabeça de rei e quatro pés de serpentes. Kenneth Grant o descreve como um Harpócrates com cabeça de leão, sobre uma flor de lótus sustentada sobre uma lâmpada formada de falos duplos. A imagem clássica, que às vezes está associada ao culto mitraico (e que está reproduzida no Liber Null e Psiconauta) mostra-o com uma cabeça de leão, envolto por uma serpente e dotado de asas. E, apesar de essas formas parecerem incongruentes entre si, todas eram usadas e adoradas pelos Gnósticos.

E a grande pergunta é: e se o Gnosticismo tivesse se estabelecido como a religião predominante nos dias de hoje?

 

O Renascer da Magia, de Kenneth Grant, descreve em detalhes o simbolismo imagístico e numérico de Abraxas. Liber Null e Psiconauta, de Peter J. Carroll, traz um capítulo inteiro devotado aos Gnósticos, suas estranhas crenças e práticas, e como esse conhecimento pode ser aproveitado nos dias de hoje. Ambos os livros estão disponíveis na loja da Penumbra Livros.

Gnósticos, Babalon e Abraxas

 

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