Arcano XIII - A Morte

Tarologia anárquica: Arcano XIII

Um Convite Para Dançar

La destrucción es el primer paso. Porque sólo de las ruínas nacerán nuevos espacios.
– Anarkia Tropikal, banda de cumbia-punk de Chile.

No mundo só existem dois tipos de pessoas: neófobos e neófilos. Ou ao menos é assim que os autores Robert Anton Wilson e Robert Shea definem a humanidade nos seus romances da Trilogia Illuminatus!. Dentro desse universo, a Terra é dividida por dois grupos genéticos: aqueles que aceitam facilmente novidades e mudanças, e aqueles que sentem raiva e medo por qualquer coisa que saia de sua zona de conforto.

Claro que os autores estão sendo sarcásticos. A Trilogia Illuminatus! é, antes de tudo, um grande exercício de ironia sobre os grupos espirituais e políticos, seitas religiosas e teorias da conspiração que povoam a cultura e as fobias ocidentais. A seriedade dos romances deve ser encontrada nas entrelinhas, por trás de cada piada, cada absurdo, cada ridículo.

Neofobia e neofilia são duas tendências de comportamento que residem ao mesmo tempo dentro de cada um de nós. Nossa cultura e nossas relações políticas dançam entre esses dois extremos de comportamento, com uma certa tendência à neofobia. A história da cultura é, em grande medida, uma história de luta contra as mudanças. Essa luta, quando vencida pelas gerações mais velhas, gera valores éticos, modelos educacionais e grupos religiosos seguidos pelas mais novas. É o conforto do já conhecido, daquilo que já funcionou anteriormente, ao menos desde o ponto de vista de alguém, que é vendido no mercado de ideias como A maneira certa de cumprir uma tarefa, O jeito adequado de se comportar, A forma ideal de, literalmente, controlar o comportamento humano.

Toda catástrofe abre os seres, tornando-os essencialmente relacionais – daí que os corpos e os objetos se despedacem, aceitando novos contornos, e que haja solidariedade e quebra de distância entre as pessoas. É o coágulo embrutecido de uma vida, resultado de um reumatismo de fundo, de uma distensão ciática que leva pouco à pouco à paralisia completa, é este cadáver encanecido e respeitável que a violência humana ou natural vem tantas vezes chacoalhar, começando por despedaçá-lo, por enchê-lo de lama ou levá-lo pelos ares, achatando-o depois contra o chão.
– Nuno Ramos em Ó, página 117.

No entanto, há algo que parece escapar dessa rede de ordem e segurança. Esse isso, essa coisa, espreita-nos dos cantos mais escuros de nosso comportamento. Parece nos observar com curiosidade e um sorriso de zombaria e simpatia. Porque sabe que, com o tempo, toda rede se gasta e mostra seus buracos. O imprevisível. O acaso. O inesperado. O aleatório. A entropia. A mudança. O caos.

Não importa o nome que escolhemos para disfarçá-la, há uma força que foge de nosso controle. Ela dança com nossas certezas e parece nos desafiar com os ritmos mais instáveis e descompassados. Dança, pois para ela não existe certo ou errado, moral ou imoral. Apenas movimento, mudança, impermanência. Anicca. Porque mesmo o governante mais ditatorial e a sociedade mais militarizada não podem escapar da força maior de transformação. A Morte.

O arcano maior XIII do tarot, normalmente nomeado como “A Morte”, é teu convite formal para esta dança. No lugar de ser considerada como um mau presságio, a carta nos recorda o caráter mutável de nossas crenças e certezas, o centro mais profundo do que consideramos como “Eu”. Nos convoca a portar sua foice e, em lugar de agarrar desesperadas convicções, lançar tudo para os ares e participar do baile louco do risco e da instabilidade. Abraçar essa força transformadora e renovadora e, ao menos por um dia, personificar-nos no motor do movimento do mundo.

Pois tudo que permanece imóvel desaparece nas areias da história. E até elas, as areias, já foram pedras algum dia.

La muerte es la única consejera sabia que tenemos. Cada vez que sientas, como siempre lo haces, que todo te está saliendo mal y que estás a punto de ser aniquilado, vuélvete hacia tu muerte y pregúntale si es cierto. Tu muerte te dirá que te equivocas; que nada importa en realidad más que su toque. Tu muerte te dirá: “Todavía no te he tocado.”
– Don Juan, em Viaje a Ixtlán, de Carlos Castañeda, página 26.

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O autor, Thiago Sá, se define como “um gato de Schrödinger perdido no mundo cinza dos cães de Pavlov”. Você pode encontrar mais dos seus escritos aqui.